Quando um sócio deve responder pelas dívidas de sua empresa?

Por Thales Augusto Moreira Lavoyer

 

Uma das maiores dúvidas de empresários que surgem nas consultas em escritório de advocacia é se seu patrimônio corre algum risco, na hipótese de sua empresa estar “quebrando”.

 

O medo é totalmente justificável, principalmente quando se vive num país com condições econômicas que variam rapidamente, tornando ainda mais desafiador empreender ou direcionar o seu dinheiro para uma ideia ou negócio específico.

 

De modo geral, a resposta para a pergunta é não, os bens dos sócios não respondem pelas dívidas das empresas. Porém, quando estamos falando de direito, muitas coisas dependem, e este artigo serve para, justamente, explicar as hipóteses em que a regra geral pode ser modificada.

 

Em primeiro lugar, é necessário distinguir o tipo “Empresário Individual” ou “MEI”, que atualmente está em alta, das empresas de responsabilidade limitada, as famosas “LTDAs”.

 

No primeiro caso, os empresários individuais respondem sim pelas dívidas contraídas por sua empresa, ou seja, em regra, o patrimônio da pessoa física se confunde com o da jurídica, podendo ambos serem atingidos.

 

Já no caso das limitadas, a regra é mais complicada: para que os bens dos sócios respondam pelas dívidas da empresa é necessário ajuizar um tipo de procedimento judicial denominado INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DE PERSONALIDADE JURÍDICA (IDPJ).

 

No caso, a ideia é, justamente, desconsiderar a personalidade jurídica da empresa, visando atingir o patrimônio de seus sócios.

Porém, para que isso aconteça, é necessário observar o que diz o Artigo 50 do Código Civil, vejamos:

 

 

Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

Vamos com calma a partir de agora.

 

 

O texto é difícil, sabemos, porém, destacamos os dois requisitos necessários para que o IDPJ possa ser acolhido num processo judicial: o desvio de finalidade da empresa e a confusão patrimonial.

 

Esses critérios foram regulamentados recentemente, no ano de 2019, por outra lei, que tentou trazer a definição desses conceitos, vejamos o que dizem os parágrafos 1º e 2º do mesmo artigo:

 

 

  • 1º. Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza
  • 2º. Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:



I – cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;

II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e

III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial

 

 

Pensemos agora em alguns exemplos: imagine que uma empresa possui dívidas, porém um sócio utilizou dos recursos do caixa para pagar suas contas pessoais, ou para adquirir bens em nome próprio, como veículos, imóveis etc.

 

Ou ainda: quando uma empresa é encerrada irregularmente, e os sócios limpam as contas, abrem outro negócio do zero, bastante parecido, com o mesmo patrimônio da empresa anterior.

 

São exemplos bastantes típicos que configuram os critérios estabelecidos pela lei.

 

Mas é claro, para que seja possível atingir os bens dos sócios, tais fatos devem ser devidamente apurados no IDPJ, com oferecimento de defesa, interposição de recursos etc.

 

Além disso, precisamos fazer uma diferenciação importante: no âmbito cível ou tributário, é muito mais difícil que um juiz acolha um IDPJ em face dos sócios, pois os requisitos do Art. 50 devem ser apurados de maneira muito criteriosa.

 

Já em outras searas do direito, como em processos trabalhistas ou em caso fraude a consumidores, os critérios do Código Civil muitas vezes sequer são levados em consideração, as regras para acolhimento do IDPJ pelo Juiz são outras, e serão objeto de artigos específicos em nosso site.

 

O que vale dizer agora é que, como nestes últimos casos a vulnerabilidade econômica dos credores é muito maior, os bens dos sócios são muito mais fáceis de serem atingidos via IDPJ.

 

Portanto, quando estamos falando de dívidas comerciais ou tributárias, é muito importante que você e seus sócios saibam a definição e importância dos atos que podem configurar confusão patrimonial ou desvio da finalidade da empresa, pois, do contrário, você pode estar correndo o risco de responder com seu patrimônio pelas dívidas da sua pessoa jurídica.

 

Se ainda existirem dúvidas, sugerimos que busque um advogado de sua confiança, sendo que a área cível do Escritório Righetti e Cirino Advogados sempre lhe estará disponível para esclarecimentos das questões sobre o tema.