Direito Sucessório na União Estável: Entenda seus Direitos e Proteja seu Patrimônio

A união estável é uma entidade familiar reconhecida pela legislação brasileira, cujos efeitos patrimoniais são equiparados aos do casamento civil. Porém, diferentemente do casamento civil, a união estável não é um contrato formal, de modo que seu reconhecimento independe de cerimônia ou registro formal.

 

Assim, os requisitos para o reconhecimento da união estável são: união pública, contínua e duradoura, com o objetivo presente de constituir família. Tais requisitos decorrem da lei (Artigo 1.723 do Código Civil) e vêm sendo aplicados de forma pacífica pelos tribunais brasileiros.

 

Ainda a respeito do reconhecimento da união estável, vale destacar que, inexiste obrigatoriedade de residência compartilhada ou do decurso de lapso temporal específico para que ela fique caracterizada, de tal modo o seu reconhecimento depende majoritariamente de questões subjetivas a serem verificadas casuisticamente.

 

Assim,, a fim de evitar problemas em eventual divórcio e/ou sucessão, recomenda-se que os conviventes – caso desejem constituir uma unidade familiar – registrem a união estável por meio de uma escritura pública, assim evitando controvérsias sobre a sua existência e vigência, em caso de separação ou morte. Da mesma forma, o registro em escritura pública permitirá que os companheiros elejam o regime de bens aplicável à união, também evitando discussões patrimoniais futuras entre os companheiros e/ou eventuais herdeiros.

 

Por outro lado, uma alternativa comumente recomendada a casais que moram juntos e/ou mantenham relacionamentos de longa data, mas que não desejam o reconhecimento da união estável, é a elaboração de um contrato de namoro. Tal documento busca formalizar declarações mútuas do casal, no sentido de que nenhum dos companheiros tem objetivo de constituir uma entidade familiar, assim afastando a aplicação das regras da união estável em seu relacionamento. No entanto, a validade deste documento é controversa, e sua eficácia, do ponto de vista legal, deverá ser avaliada com cuidado.

 

  • Regimes de Bens na União Estável: breves considerações

 

Sendo equiparada ao casamento civil, a união estável será regida por um dos regimes de bens previstos na lei brasileira. De tal sorte, os regramentos acerca da escolha do regime de bens seguem a mesma lógica aplicável ao casamento civil.

 

Assim, caso o casal não escolha expressamente o regime de bens aplicável por meio de um contrato ou escritura pública, a união estável será regida pelo regime da comunhão parcial de bens, segundo o qual, a princípio, cada companheiro tem direito à metade dos bens adquiridos na constância do relacionamento.

 

Dessa forma, no regime da comunhão parcial de bens, cada companheiro será considerado meeiro do outro, ou seja,, proprietário da metade dos bens comuns do casal. Quanto aos bens particulares, adquiridos pelos companheiros antes da vigência da união estável, cada qual será considerado herdeiro do outro, concorrendo com os demais herdeiros, caso existam.

 

Caso optem pelo regime da separação convencional (ou total) de bens, os companheiros não serão considerados meeiros, visto que em tal regime inexistem bens comuns do casal, sendo todos os bens adquiridos por um dos companheiros considerados bens particulares deste. Não obstante, em caso de falecimento de um dos companheiros durante a vigência da união, o companheiro sobrevivente, denominado como supérstite, também será herdeiro dos bens particulares deixados pelo falecido, concorrendo com os demais herdeiros.

 

Por fim, no regime da comunhão total de bens considera-se não haver bens particulares dos companheiros. Portanto,, os companheiros serão meeiros de metade do patrimônio do casal, ainda que adquiridos antes da vigência da união estável. De tal modo, em caso de falecimento de um dos companheiros, o supérstite fará jus tão somente à meação (metade do patrimônio do casal) não participando da herança do falecido, que corresponde à outra metade.

 

Dessa maneira, é possível observar que o regime de bens não influencia apenas a divisão patrimonial quando da dissolução do casal pela separação, mas também em caso de morte, razão pela qual é de suma importância que o casal seja orientado de forma clara a respeito dos efeitos de cada opção de regime, de modo a eleger a alternativa que melhor se adeque à sua realidade.

  • A sucessão na união estável:

 

Cabe ainda destacar que os efeitos sucessórios da união estável variarão conforme o regime de bens adotado pelo casal. Não obstante, emregra, o companheiro supérstite será considerado herdeiro do companheiro falecido, à exceção do regime da comunhão universal de bens, como acima já destacado.
Isto porque, o entendimento jurisprudencial atualmente em vigor no Brasil determina que, para fins sucessórios, o companheiro equipara-se ao cônjuge, que, nos termos da legislação civil, é herdeiro necessário do falecido, não podendo ser excluído da herança, salvo as previsões legais de deserdação e indignidade.

 

Sobre o assunto, o Supremo Tribunal Federal firmou a Tese nº 809 no seguinte sentido: “é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2022”.

 

Dessa forma, a princípio, não é possível a exclusão do companheiro sobrevivente da herança do falecido, novamente ressalvadas as hipóteses legais de deserdação e indignidade.

 

Não obstante, este é o entendimento jurisprudencial atual do STF, que contraria a literalidade do artigo 1.790 do Código Civil, e pode ser modificado no futuro. Da mesma forma, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 3799/2019, o qual visa tornar cônjuges e companheiros herdeiros facultativos e não necessários.

 

Por tais motivos, alguns casais buscam, no momento da elaboração da escritura pública ou do contrato de união estável, adicionar uma cláusula excluindo o companheiro da sucessão. Muito embora esta cláusula seja considerada nula na atualidade, a sua inclusão na escritura pode ser interessante, visto que, conforme anteriormente mencionado, o entendimento jurisprudencial a respeito do tema poderá ser diverso quando um dos companheiros vier a falecer.

 

  • O direito real de habitação

 

Outro direito do companheiro, o qual independe do regime de bens adotado, é o direito real de habitação, previsto na Lei nº 9.278/96 e no Artigo 1.831 do Código Civil, o qual confere ao companheiro sobrevivente o direito de permanecer morando na residência do casal após o falecimento do outro, sem pagar aluguel aos demais herdeiros.

Para que seja reconhecido tal direito, o imóvel de residência do casal deve ser de titularidade do companheiro falecido e deve ser o único imóvel residencial a ser inventariado.

 

Embora vitalício, o direito real de habitação poderá ser flexibilizado no caso concreto, podendo o imóvel ser alienado caso sua venda seja necessária para a subsistência e proteção de algum outro herdeiro que esteja numa situação de vulnerabilidade econômica.

 

  • Os efeitos do testamento na união estável:

 

O testamento é instrumento pelo qual uma pessoa, chamada de testador, dispõe sobre a destinação da totalidade ou de parte de seus bens depois da sua morte . Assim, é permitido que o testador diminua ou majore a parcela da sua herança cabível ao companheiro.

 

Nesse contexto, o testador tem a faculdade de dispor de seus bens livremente, desde que respeite a parcela legítima da herança, ou seja, 50% do seu patrimônio, que é obrigatoriamente reservado aos herdeiros necessários. Caso o testador não tenha herdeiros necessários, a disposição sobre seus bens é livre.

 

Novamente, a redução ou majoração da cota do cônjuge deve ser feita dentro dos limites legais, de forma que o testador não poderá privar o companheiro de sua parte na legítima ou preterir outros herdeiros necessários de seu quinhão correspondente.

 

Ainda, o Código Civil prevê que, ao cônjuge ou companheiro sobrevivente, deve ser reservado, no mínimo, um quarto da herança da pessoa falecida, caso esse cônjuge ou companheiro concorra com descendentes comuns do casal. Ou seja, caso o casal tenha mais de 3 filhos, um quarto da herança de quem falecer será reservado para o supérstite , sendo que o restante será dividido entre os filhos.

 

Na ausência de um testamento, a sucessão na união estável é regida pelas regras da sucessão legítima presentes no Código Civil. Assim, caso o falecido tenha filhos, o companheiro será herdeiro junto com eles, no tocante aos bens particulares, concorrendo em igual condições pelos quinhões hereditários. Da mesma forma, o companheiro poderá herdar junto com os ascendentes, caso o falecido não tenha filhos e tenha os ascendentes vivos.

 

Vale também destacar que, por meio do testamento, o testador poderá destinar bens específicos ao companheiro. Assim, desde que respeitada a legítima e o quinhão dos demais herdeiros necessários, o testador poderá, por exemplo, destinar o imóvel de residência do casal integralmente ao companheiro supérstite, evitando, assim, eventuais discussões a respeito do direito de habitação.

 

Novamente, a elaboração de um testamento poderá facilitar em grande medida a divisão do patrimônio em caso de falecimento de um dos cônjuges, razão pela qual recomenda-se que sua elaboração seja estudada com cuidado.

 

  • Considerações finais:

 

O direito sucessório na união estável é um tema relevante que merece atenção. Conforme demonstrado, caso o casal não tenha a união registrada, para garantir os direitos sucessórios, o companheiro sobrevivente deverá provar judicialmente que viveu em união estável com o falecido.

 

Embora tal comprovação possa ser feita por meio de documentos, comunicações, testemunhas, documentos bancários, entre outros, é comum o companheiro enfrentar a resistência dos demais herdeiros, além de longas e custosas disputas judiciais, até que seja judicialmente reconhecido seu direito.

 

Por tal razão, é importante que o casal registre a união por meio de uma escritura pública ou contrato de união estável, visando garantir os direitos dessa entidade familiar e permitindo que a vontade do casal seja cumprida. Destaca-se ainda que este tema, embora sensível, deve ser enfrentado pelos companheiros ainda em vida, de forma a proteger os seus interesses, bem como de seus respectivos herdeiros.

 

Assim, é importante que o casal procure assessoria jurídica para escolher o regime de bens aplicável para seu relacionamento, e receber demais orientações a respeito do planejamento patrimonial.